UNUM NECESSARIUM

Houve um tempo em que as visitas entre famílias eram tradicionalmente muito frequentes. Numa época de calma e tranquilidade, via de regra, o domingo era também um dia de visitas, das refeições em comum, do almoço em família, dos encontros etc.

Mesmo antes desta Pandemia e do isolamento social, percebemos que os tempos mudaram e parece que ficamos todos cansados, estressados, preocupados com as coisas  “urgentes” deste nosso mundo e nos esquecemos do significado de uma boa visita, que receberá atenção, ou talvez tenhamos até decidido deixar a porta da casa e de nossa vida meio trancada para não acolher boas visitas. Não queremos ser incomodados. Falta-nos, de maneira geral, hospitalidade. Aquela hospitalidade que nasce do coração.

No texto de Lucas 10.38-42, vemos o relato da visita de Jesus à casa de seus amigos Lázaro, Marta e Maria. Um episódio bem conhecido. Ele foi hospedado num certo dia por Marta e Maria e, naquele episódio, nos deparamos com uma das cenas mais emblemáticas que retratam a acolhida devocional de Jesus.

Lembre-se: estamos no evangelho de Lucas, com sua narrativa de tom intensamente humanizada, que mostra um Jesus sempre movido por compaixão, indo ao encontro do ser humano em sua essência. Além disso, é um evangelho que nos chama a caminhar: pelos relatos da sua infância aos momentos de sua crucificação, vemos que Sua vida foi uma caminhada da Galileia para Jerusalém. Esta caminhada, todavia, para nós, é o que chamamos de caminho do discipulado. Seguindo Jesus ao longo deste caminho aprendemos as lições de vida com o nosso Mestre e Senhor.

Nesta caminhada, Jesus nos dá uma lição linda e preciosa para a acolhida dEle e para a nossa vida nestes dias de tanta agitação: “Unum necessarium” – expressão em latim que se traduz “Uma coisa só é necessária”.

Geralmente somos tentados a pensar que Marta estava fazendo algo errado por não se portar como Maria. Mas ela estava seguindo o ritmo normal daquela cultura: concentrada no cômodo específico da casa, onde devia cuidar da comida para atender aos visitantes – naquela cultura da Palestina do 1° Século, as casas eram divididas em espaços para homens e espaços para mulheres, e assim também eram estritamente demarcados os papeis dos homens e das mulheres –  que eram pelo menos 13 homens.

Marta, é inevitável essa comparação, se assemelha ao estilo de vida que impera hoje, de agitação, inquietação, preocupação, aparência. Um estilo de vida que está dentro do “normal” de sempre. Possivelmente cheio de atitudes legítimas, que abre espaço inclusive para algum momento religioso, mas, definitivamente, não consegue vivenciar experiências de tranquilidade, contemplação, escuta de Deus e paz. Consequentemente, vive sob o peso da obrigação, do cansaço e até da enfermidade física ou emocional.

Já Maria, estava numa outra situação. Mais uma vez vemos Jesus transpondo as barreiras culturais para se manifestar e ministrar ao coração humano sedento e faminto por vida verdadeira, por Deus. O Talmude observa que “é melhor queimar a Torah do que ensiná-la a uma mulher”. Mas Jesus é Deus, está acima das limitações e insensibilidades humanas e culturais. Segundo as palavras do próprio Jesus, “Maria escolheu a boa parte”. Ela escolheu, e escolheu a boa, a principal parte. Ela fez a opção de escolher dedicar atenção completa e exclusiva para Jesus. É certo de que isso lhe custou renúncias – Marta deixa isso claro. A boa parte era a coisa necessária. Ao renunciar algo, ela ganhava muito.

O centro do ensino de Jesus à Maria, também à Marta e, mesmo a nós hoje, está nesta declaração: Unum necessarium – “Uma coisa só é necessária”. Trata-se de uma atitude diante da razão de toda a nossa existência. A atenção e o acolhimento que direcionamos a Jesus, o Deus vivo. A coisa necessária é o centro de tudo, o centro da vida. A opção pelo “Unum necessarium” revelado em Cristo tem valor eterno, e por isso “não será retirado”.

O Deus que dirige a história, que tem até pisado no freio do mundo neste momento, nos ensina lições assim a fim de nos conceder maravilhosas experiências aos Seus pés, ouvindo Sua voz, renovando nosso ser, nos curando e nos capacitando para viver a vida e desenvolver os relacionamentos de forma que Ele seja glorificado, as outras pessoas sejam beneficiadas e nós vivenciemos a bênção do sentido pleno da nossa missão e existência. Nossa reflexão de hoje nos chama para experimentar este processo espiritual.

Tenhamos na mente e no coração a motivação da convicção e palavras como de Santa Teresa de Ávila: “Nada te perturbe, Nada te espante. Tudo passa, Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem a Deus tem, Nada lhe falta: Só Deus basta”.

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