Vivemos numa época de publicidade desenfreada e de um reconhecido exibicionismo. Isso é um fato nada extraordinário de ser constatado. Por outro lado, podemos ser não ingênuos mas distraídos o bastante por essa realidade para não perceber o quanto isso ameaça e até afeta nossa vida inclusive no aspecto espiritual. Esta pressão pode nos levar a perder a riqueza e a profundidade da vida cristã e nos atolar num terrível lamaçal de aparências, de falsa importância e até de autossatisfação ilusória. Isto, se não tratado adequadamente, tende a aumentar a falsidade da espiritualidade e até a banalização da própria identidade.
A boa notícia, característica do Evangelho, é que Jesus não compactua com tal pressão e nos dá – Ele sempre faz isso! – o caminho da vida a ser vivida em liberdade. Quando olhamos para o Sermão do Monte, percebemos que sua ênfase parece ter um conteúdo quase paradoxal que se choca com nossa lógica humana. Em Mt. 5:1-12 Jesus compartilha a introdução deste seu ensino, que ganhará sentido mais claro na medida em que discorre sobre temas específicos, mas ele afirma que “felizes” são os pobres de espírito, os que choram, os humildes, os que têm fome e sede de justiça, os misericordiosos, os de coração puro, os que promovem a paz, os perseguidos por causa da justiça, os que sofrem zombaria, perseguição e até difamação. E ele ensina que isso deve ser motivo de felicidade e celebração (Mt. 5:12).
O Dr. Martyn Lloyd-Jones comentando sobre os capítulos 6 e 7 observou que eles apresentam “um retrato dos filhos no que diz respeito à sua relação com o Pai enquanto percorrem esta peregrinação denominada vida”. Eis aí uma consideração chave para nós: tudo está envolvido num retrato da relação dos filhos com o Pai. Este é o caminho para se viver livre em nossos dias. Deus nos chama a partir de princípios paradoxais para nos conduzir na vida por caminhos de liberdade.
Diante disso, vamos considerar algumas lições preciosíssimas a partir da afirmação de Jesus, “Teu Pai, que vê em secreto, te recompensará”. Afinal, em todo o Sermão do Monte, se observarmos bem, este é o princípio fundamental.
UM PAI SEMPRE PRESENTE
Jesus deixa claro que nossa motivação maior deve ser agradar o Pai, que não é um mero “pai”. É o Pai absolutamente perfeito. Acima de tudo, um Pai extraordinariamente presente. Ele é o Pai que nos criou para a Sua glória, ou seja, a nossa existência só tem sentido na existência dEle. Portanto, antes de nos propormos a fazermos qualquer coisa exclusivamente para o nosso prazer, devemos compreender que no prazer dEle está o nosso maior prazer. Como disse o salmista, “agrada-te do Senhor, e eles satisfará os desejos do seu coração” (Sl. 37:4).
Alguns escritores cristãos usam termos que me chamam a atenção em como eles traduzem a realidade desta consciência de filhos que querem fazer as coisas para o agrado do Pai: Por exemplo, John Piper fala sobre a adoração litúrgica como “um prato que preparamos para Deus”, porque o alvo é o prazer dEle. Outro que sempre me vem a mente é o escritor Max Lucado que colocou “O aplauso do céu” como título de um de seus livros em que ele trata de uma meditação devocional a partir da realidade do Sermão do Monte. É isso. O Pai está presente conosco e deseja ter prazer também a partir dos frutos de nossa existência. Ele quer dar constantes “curtidas” por nossas ações publicadas na tela de nossas mentes, dos nossos corações e através de nossas obras realizadas.
UM PAI QUE CONHECE NOSSOS SEGREDOS MAIS PROFUNDOS
De imediato, precisamos considerar que Jesus está afirmando que o Pai vê o que ninguém mais vê, sobretudo quando ninguém mais vê. Devemos até considerar que Ele vê não apenas o que não gostaríamos que visse mas que Ele vê o que, tantas vezes, gostaríamos que os outros vissem mas parecem não ver. Que coisa fantástica!
Jesus está deixando claro, acima de tudo, que o que realmente importa é a curtida, o aplauso do Pai. Isso tem a ver não apenas com a ação, mas com a intenção. Foi neste sentido a exortação dele aos religiosos da época sobre e a quem ele tanto falou. Por isso ele os chamou de “hipócritas” (cf. Mt. 6:2) – um termo que dizia respeito a atores do primeiro século que atuavam nos teatros usando máscaras. Eram aqueles que queriam sempre publicar suas ações para impressionar as pessoas. Já viu algo assim em algum lugar? Esta preocupação em agradar aos outros e não a Deus é algo ruim e que adoece a alma.
Compreender que o Pai nos conhece profundamente e nos vê em secreto (do grego “kríptos” = secreto, escondido, privado), e que este secreto é recomendável, deve nos libertar do anseio por reconhecimento e aceitação de todos. Isso, sem sombra de dúvidas, nos deixará mais livres e menos frustrados com a vida e com nossas elevadíssimas expectativas relacionais.
UM PAI QUE NOS RECOMPENSA ADEQUADAMENTE
O Sermão do Monte dá essa tônica: Deus nos recompensa adequadamente. Nossas ações devem se basear nesta realidade. Isso não pode ser visto como uma proposta de barganha, mas de fidelidade. Seremos recompensados e isso é um fato. Agora, preste atenção: a palavra grega usada como recompensa é “misthos” e significa “recompensa” e “pagamento”, tratando de um prêmio reservado por Deus para aqueles que agem a partir de Seus princípios. Isso não fere em nada a realidade da graça de Deus uma vez que só pela atuação graciosa do Espírito Santo podemos realizar as boas obras que Deus “preparou de antemão para que realizemos” (Ef. 2:10).
Esta é uma época em muitos vivem preocupados com a aprovação outras pessoas e para isso expõem questões que não deveriam ser expostas. O preço tem sido caro: frustrações, conflitos, divisões, agressões, e por aí vai. Não podemos seguir em frente fingindo desconhecer o fato de que a vida cristã é vida com Deus e a partir de Deus, e é neste sentido que está a nossa satisfação. É deste rumo que vem a nossa recompensa, o que muitos chamam de “felicidade”, e por ela estão tateando em lugares e momentos diversos sem encontrá-la.
Guarde isso e terá um coração mais tranquilo: seja você mesmo com suas aspirações, defeitos, qualidades e amizades. Viva a vida a partir da fé, mas viva com naturalidade. Abandone o afã pela superficialidade e, em tudo, busque receber curtidas de Deus, porque “o seu Pai, que vê em secreto, lhe recompensará”.