NOSSA FÉ E OS SACRAMENTOS

Agostinho de Hipona (séculos IV e V) falando sobre sacramentos define de maneira muito feliz o termo como “Sinal visível da graça invisível”. Há muito o que se dizer sobre a maneira com que os sacramentos (tradução do termo grego mysterion – coisa sagrada), são conhecidos difundidos e interpretados no meio das igrejas cristãs por todo mundo, mas acredito que a terminologia teológica apesar de suficiente para explicar a condição prática (porque fazemos), por si só não revela a intenção do coração de Cristo ao ensinar e ordenar tais práticas aos seus discípulos. Definimos como sacramentos (reformados – confissão de fé de Westminster) batismo e ceia e sobre eles encontramos suas formas instituídas por Jesus nos evangelhos de Mateus (28.18-20) e Lucas (22.17-20). Entretanto, por que isso é importante? Por que é “coisa sagrada”? Há algo comum entre os sacramentos? Para responder as perguntas precisamos refletir sobre o que Jesus ensinou e o que é revelado sobre isso na história bíblica e com o auxílio do texto de Paulo aos Coríntios (1 Cor 11.17-33) podemos perceber algumas coisas sobre a ceia. Paulo escreve essa carta na tentativa de corrigir atitudes equivocadas da igreja de Corinto e começa o verso 17 dizendo que “…as reuniões de vocês mais fazem mal do que bem.” E explica que a ceia do Senhor estava sendo pervertida em seu fim (núcleo) mais importante. Ele explica que “…enquanto um fica com fome, outro se embriaga.”, expondo a divisão social e reforçando o poder econômico e a hierarquia social e é exatamente este o centro da ceia de Cristo que estava sendo quebrado. “Pois recebi do Senhor o que também entreguei a vocês: Que o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão e, tendo dado graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu corpo, que é dado em favor de vocês; façam isto em memória de mim”. Da mesma forma, depois da ceia ele tomou o cálice e disse: “Este cálice é a nova aliança no meu sangue; façam isto sempre que o beberem em memória de mim”. Porque, sempre que comerem deste pão e beberem deste cálice, vocês anunciam a morte do Senhor até que ele venha”. O texto é simples e monta o paradoxo do judaísmo. É o mestre que serve e reparte a ceia (nesse contexto a ceia que se reparte é ele mesmo), algo que não era esperado de um rabino e repartindo aquilo que é seu informa que em memória dele, toda vez que repartimos o que nos é dado por Deus (A Graça) fazemos isso em memória dele e anunciamos a sua morte até o dia da sua volta. É o mestre se entregando e repartindo o que recebeu do Pai com TODOS, inclusive com aquele que o iria trair. Paulo traz de volta o núcleo da ceia e explica que “…todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será culpado de pecar contra o corpo e o sangue do Senhor.”. O convite de Paulo “Examine-se cada um a si mesmo e então coma do pão e beba do cálice.” precisa gerar em nós o contrário do que era visto na igreja de Corinto e que também foi revelado na fala de Judas (Mt 26.25) “Com certeza não sou eu, Mestre!”. No texto que retrata o mesmo evento no evangelho de Marcos (Mc 14.19), todos eles dizem a mesma coisa “Com certeza não sou eu!”. No coração do traidor e dos discípulos a sensação de merecimento e a certeza de que eram dignos de receber do que era do próprio mestre é exatamente a conclusão contrária revelada pela história da crucificação e a prática contrária executada pelos da igreja de Corinto. Em Atos 8.36 o eunuco pergunta a Filipe “Olhe, aqui há água. Que me impede de ser batizado?” como um desafio aos padrões segregadores da prática judaica e a resposta de Filipe é “Você pode, se crê de todo o coração”. O batismo se torna um ato de necessidade de arrependimento e autoanálise constantes e ao mesmo tempo é o que recebemos de Cristo sem que tenhamos NENHUM mérito para receber. O que conecta os sacramentos é exatamente essa condição de não merecimento e de necessidade TOTAL. E não é exatamente isso a Graça de Deus? Não é exatamente o que recebemos dele sem merecer? Anunciamos a morte do Deus que serve repartindo e servindo a Graça que recebemos. Isso é a ceia do Senhor. Isso é o batismo do Senhor. A anunciação da divina Graça imerecida e transformadora. Que anunciemos sua Graça através dos sacramentos e da nossa vida até que ele volte!

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