E se não salgar?

Reflitamos sobre três momentos bíblicos:

– Primeiro momento: Logo após atravessar o mar da galileia rumo a Decápolis, Jesus é recebido por um endemoniado. O evento de libertação daquele homem que vivia entre sepulturas nu, gritando e atormentando as pessoas, envolve a morte de dois mil porcos. Era uma cidade produtiva que de repente viu sua rotina alterada por causa daquele fato. O tal endemoniado talvez fosse um pobre mendigo perturbado, invisível para a sociedade, e agora se torna agente de prejuízo econômico para ter sua história mudada. Por este motivo Jesus então é expulso e volta para seu local de origem, sendo acolhido por grande multidão do outro lado do mar. Jesus fora rejeitado em Gadara.

Temos aí um povo que não queria obstruir a engrenagem da economia. A rotina precisava se manter dentro da normalidade. Mas e aquele louco? Acorrentem-no! Está urrando? Ignore. Nu? Afugentem para o cemitério, para não escandalizar nossos filhos. O importante é garantir a produção pecuária da cidade. Qual lugar não tem um louco de estimação? Muitas vezes é até motivo de diversão. Perturbar esta ordem social e trazer prejuízos para o povoado é tudo que não se quer. O “sindicato dos suinocultores de Decápolis” logo foi acionado para cuidar de restabelecer a ordem.

– Segundo momento: Agora Jesus está narrando uma parábola para um doutor da lei. É sobre a história de um homem que foi assaltado e espancado, tendo ficado moribundo pelo caminho. Após ser ignorado por algumas pessoas da fé, um samaritano o aborda, trata suas feridas e investe dinheiro nele para acomodá-lo em uma pousada até sua recuperação. Jesus estava explicando para aquele senhor quem é o “próximo” citado no segundo mandamento, aquele que fala de amar a Deus de todo o coração, de toda a alma, de todas as suas forças e todo seu entendimento, e ao próximo como a si mesmo.

Não creio que o sacerdote e o levita fossem mal intencionados ao passarem de largo por aquele pobre homem à beira da estrada, à beira da morte. Talvez estivessem atrasados para seus compromissos no templo. Não podiam se contaminar com sangue, senão teriam que se isolar por sete dias e comprometer o contingente do culto. O ritual judaico prevaleceu para eles, mas para o samaritano, um leigo que era de um povo tido como menor entre os concidadãos, foi diferente. Embora discriminados e marginalizados, foi um destes que usou de misericórdia com o homem ferido.

– Terceiro momento: Em outro episódio da Bíblia descrito na carta de Paulo a Filemon, é narrada a história de Onésimo, um escravo de um amigo de Paulo. Um dia este homem resolveu fugir e – talvez – roubando do seu dono (este fato não fica claro na bíblia). Ele, que já não tinha direitos, agora fazia parte de uma classe ainda inferior da sociedade colossense: de escravo passara a contraventor. Por consequência da história da sua trajetória, esse homem acaba indo preso, mas pela graça de Deus ele encontra um outro prisioneiro que muda sua história: aquele amigo de Filemon, o apóstolo Paulo. Ali Onésimo é transformado pela palavra de Deus, passa a trabalhar como um daqueles da família cristã, chegando ao ponto de Paulo o querer como auxiliar em seu trabalho missionário, mas por respeito a Filemon, pede apenas que seu dono o receba de volta, não como escravo, mas como irmão.

Agora olhemos para tempos atuais: Em 1980, o número de cristãos evangélicos representava 9% da população brasileira. Vinte anos depois esse percentual subiu para 15%. Em 2010 já representava 22%, e no último levantamento do Datafolha foi registrado um número superior a 30%, que corresponde a mais de 65 milhões de pessoas que um dia confessaram Jesus Cristo como salvador e submeteram-se aos seus preceitos e mandamentos. Na teoria, é muito sal, muita luz. São pessoas que sabem sobre o fruto do Espírito, sobre amar a quem nos persegue e enfim entende que deve praticar o modus operandi de Jesus quando aqui viveu, situação que chancela o termo “cristão”, que em sua essência nos coloca a marca de pequenos Cristos. Olhando assim, parece que a conta não fecha, era para o mundo estar melhorando, e não piorando.

Que tipo de cristãos temos sido? Será que temos entendido que a meritocracia capitalista não pode ser incomodada por causa de uma vida? Ou nossos títulos e atribuições na comunidade de fé não podem ser comprometidos pela ação favorável a um invisível social que precisa de oração, assistência e cuidado? E se estivermos em um ambiente face a face com um criminoso, qual será nossa postura?

Sejamos revolucionários da paz, agentes do olhar de Jesus, tenhamos o caráter de Cristo . E que aquele que começou a boa obra em nós a complete, até o dia de Cristo Jesus.

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