A história de Caim e Abel (Genesis 4) revela muito mais do que uma leitura rápida e descuidada. Na verdade, leituras rápidas e descuidadas de qualquer parte das Escrituras podem trazer consequências desastrosas. Por esta razão devemos evitar este tipo de aproximação da bíblica.
Esta narrativa das Escrituras retrata uma cena um tanto conhecida, mas com uma leitura cuidadosa alcançaremos (se assim o Espírito nos capacitar) detalhes descritivos e reações importantes de seus personagens que nos revelarão muito do posicionamento de Caim e suas reais motivações e aí então, quem sabe, poderemos nos identificar com a realidade de Caim e evitar o que com ele ocorreu.
Para começar precisamos nos ambientar e entender que de acordo com a tradição judaica, e por consequência Cristã é atribuído a Moisés a autoria do livro do Gênesis e se torna fundamental entender que o registro destes eventos segundo seu autor tem por objetivo advertir e revelar ao povo de Deus quem Ele é e quem somos. Com isto em mente devemos ler o texto inclinados a esta perspectiva. Também devemos nos lembrar o contexto em que os personagens de Eva e Adão são colocados. Como já sabemos e podemos perceber no início do capítulo 4, Eva dá a luz a seu primeiro filho entendendo ser ele o que iria cumprir a promessa que Deus havia feito a serpente (Gen 3.15) e esta primeira importante informação, nos permite inferir que é provável que ela tenha criado Caim sob esta perspectiva, o que pode ser explicação plausível para reforçar a conduta de Caim como veremos a seguir. O verso 2 nos informa a profissão de cada dos filhos de Eva, e se você prestar atenção você perceberá a relevância que esta informação tem. Como criador de ovelhas (v.2), Abel sabia que o controle de seu rebanho era limitado e que para manter a saúde, segurança e encontrar alimento para suas ovelhas riscos grandes e incontroláveis precisariam ser corridos diariamente, o que de modo prático coloca o controle de seu bom resultado como criador de ovelhas nas mãos de Deus, que por eles (Adão, Eva, Caim e Abel) era bastante conhecido. Já a perspectiva de Caim e sua profissão é bastante diferente. O ato de plantar, cultivar e colher pode trazer falsa sensação de controle, e ainda que intempéries pudessem assolar suas lavouras, técnicas de plantio e desenvolvimento de ferramentas trariam a sensação de que o resultado de uma boa colheita seria mérito individual e nada mais. É aí que o problema de Caim e talvez o nosso comece. Se não conseguimos ver que em qualquer coisa que fazemos o resultado e controle não estão de maneira última em nossas mãos, começamos a atribuir o sucesso de nossa jornada a nós mesmos.
Quando Caim traz sua oferta a Deus (v.3) não é o que ele traz que causa a rejeição de Deus, afinal como agricultor ele só teria o fruto da terra para trazer e Deus conhecedor de todas as coisas esperava exatamente isto, tampouco trouxe Caim frutos ruins ou aquilo que não era o melhor que ele tinha, como alguns intérpretes insistem em afirmar, o problema estava em seu coração (v.7). Caim ofereceu a Deus aquilo que ele pensava ser dele. Ofereceu o que entendia ser sua posse, seu próprio esforço, tomando aquilo que Deus havia dito a seu pai (Gen 3.19) interpretando de modo errado. Quando Deus diz a Adão que ele comeria o pão com o “suor do seu rosto” o que Deus estava dizendo é que o seu esforço deveria o lembrar de seu provedor e de sua ofensa para com Ele todos os dias de sua vida, mas para Caim isto pode ter significado abandono.
Perceba que para Caim, agora ele dependia apenas dele e é por isso que quando sua oferta não é aceita seu rosto se transtorna, como se ele apontasse para Deus dizendo “Tenho que me esforçar e fazer tudo sozinho para que você me rejeite?”. Sob a perspectiva de Caim a situação é injusta, visto que o fruto de sua oferta cresceu por causa de seu esforço somente se separando completamente daquele que fez seu fruto crescer e brotar. Os eventos que se seguem demonstram que Caim não conhece a Deus e sua tentativa de ser dono de si mesmo e fazer justiça só o afunda ainda mais em um poço de arrogância e idolatria.
Onde é que em nossa vida somos assim também? No nosso trabalho? Achamos que aquilo que nos acontece de bom é mérito exclusivo e dependente de nosso esforço? Achamos que o dinheiro nos gera independência, especialmente de Deus? Achamos de fato que nossa oferta é algo de nós mesmos que entregamos a Deus? Não é o próprio Deus que nos condiciona a ofertar não só o dinheiro como nosso tempo em serviço ao outro?
Precisamos repensar cada passo de nossa vida sob esta perspectiva. Que não sejamos o “Caim” de nós mesmos. Que Deus tenha misericórdia de nós e nos transforme por Seu Espírito.