Muitas vezes em nosso íntimo, bem lá no fundo, no centro de nosso desejo e(ou) coração, sentimos algum incômodo ou necessidade que aparecem juntos com alguns assuntos, situações ou relacionamentos em nossa vida. Não estou falando necessariamente de um vazio existencial ou da falta de uma cosmovisão (maneira como entendemos o mundo) bem definida, estou me referindo a pensamentos e emoções que nos fazem desconfortáveis em relação aos outros e em relação a nós mesmos. Sendo mais específico me refiro àquelas situações em que agimos ou fazemos escolhas justificadas a nós mesmos como ações de autopreservação ou proteção, que primeiramente crescem se transformando em lugar de conforto e fuga e que crescendo ainda mais ganha contornos de isolamento, buscando apoio em frases e pensamentos do tipo “se estivessem no meu lugar, eles iriam entender”. Já se sentiu assim? Nestas situações ficamos com a sensação de que estamos sozinhos e acreditamos precisar deste lugar onde não somos confrontados e estamos “protegidos”, mesmo sabendo que esta nossa situação de “vulnerabilidade” pode ter sido originada por nossas escolhas erradas. Fato é que estas situações nos incomodam e desejamos nos livrar delas, mas paradoxalmente evitamos pensar e nos aprofundar nelas, muitas vezes com medo de piorar nossa situação ou chegar à conclusão definitiva de que falhamos e que de fato somos aquilo que não queríamos ser. O que fazer?
Em João 4.1-30 o evangelista narra o encontro de Jesus com uma mulher samaritana, e se não lermos o texto com cuidado poderemos nos perder e ficar confusos com o diálogo de Jesus com esta mulher. É muito interessante ver que o plano divino para este encontro se descortina no controle completo sobre a situação, desde a rota entre a Judeia e a Galileia, o cansaço de Jesus e a ausência dos discípulos no início do encontro até o desconforto social, pessoal e religioso desta mulher que a impulsiona a estar naquele lugar exatamente naquela hora. Jesus pede a mulher um pouco de água (v.7) e o pedido causa a ela espanto e confusão, e o seu incômodo é expresso em forma de pergunta a Jesus “Como o senhor, sendo judeu, pede a mim, uma samaritana, água para beber?” (v.9). A resposta de Jesus (v.10) pode nos parecer inicialmente confusa assim como foi para ela, mas o que Ele estava respondendo era o centro da questão que a incomodava e que foi o grande motivo a impulsioná-la a estar ali naquela hora e lugar. As perguntas seguintes direcionadas a Jesus (v.11-12) revelam que não era só água que ela buscava, afinal ali era o poço de Jacó, ela buscava remissão, alívio, purificação e toda a esperança que sua religiosidade depositou na figura de Jacó a quem chamou de “nosso pai” e na promessa feita por Deus a ele. São perguntas que tem a intenção de confronto e autojustificação e que encontra na resposta de Jesus (v.13-14) o possível livramento de seu incômodo sem ter que enfrentar a verdade de seus motivos e condição e seu pedido (v.15) expressa exatamente isso, mas Jesus começa a promover a mudança em seu coração fazendo com que ela enfrentasse os “incômodos” de sua vida primeiro dizendo “Vá, chame o seu marido e volte”. O Mestre sabia quem ela era e intencionalmente espera a resposta “Não tenho marido”, que entendo ter sido lançada como mais uma tentativa de fuga do enfrentamento, para descortinar em uma revelação extraordinária da verdade a sua vida e condição. Mesmo depois de reconhecer a revelação que Jesus havia entregado, sua religiosidade ainda tenta afastá-lo por ser judeu em uma afirmativa que mais me parece confronto (v.20) e novamente a resposta de Jesus toca aquilo que é o centro da questão da vida daquela mulher dizendo que de fato a adoração a Deus acontece em espírito e em verdade e não nas amarras sociais e nas tradições religiosas nem de judeus e nem de samaritanos. Quando ela faz a afirmativa “Eu sei que o Messias (chamado Cristo) está para vir. Quando ele vier, explicará tudo para nós” na tentativa de fazer uma afirmativa tão benevolente quanto a de Jesus e diminuir suas diferenças, procurando a identificação no que era comum entre judeus e samaritanos ela não esperava a resposta de Jesus: “Eu sou o Messias! Eu, que estou falando com você”.
É nesta resposta que Jesus inicia a mudança naquela mulher que abandonando o cântaro vai até a cidade e chama o povo para ver Jesus dizendo “Venham ver um homem que me disse tudo o que tenho feito. Será que ele não é o Cristo?”. O início de uma mudança e da transição de várias pessoas que entendem então a Jesus como o Cristo.
Resta a nós a pergunta: Enfrentaremos nossas questões e incômodos mais profundos e centrais os colocando à luz da verdade, que é Cristo para nos juntarmos a ele o adorando em espírito e em verdade?
Uma análise verdadeira e sincera de nós mesmos certamente revelará nossa incapacidade, nosso pecado, nossa dependência e nossa culpa, e é só pelo caminho da verdade que entenderemos quem somos e quem Ele é sabendo que a medida de nós diminuímos na verdade de quem somos Ele cresce. Que sejamos dependentes da verdade de Cristo e não do nosso conforto social e religioso.