Jesus, Nicodemos e as Vãs Filosofias

A bíblia narra diversos encontros de Jesus. Há aqueles onde Ele encontra a pessoa, como a mulher samaritana à beira do poço (João 4.7), o publicano Zaqueu (Lucas 19.1) e os próprios discípulos, na medida em que os convidava a segui-lo (Marcos 1.16). Em outras circunstâncias, Jesus é que fora encontrado, como no caso da mulher cananeia que clamou pela sua filha endemoniada (Mateus 15.21) e daquela outra que o tocou no meio da multidão, sendo curada de uma doença que há doze anos a afligia (Marcos 5.24). Entre estes, vamos nos debruçar hoje sobre um encontro peculiar, de um valor teológico muito enriquecedor para a nossa vida espiritual: Nicodemos e Jesus.

Conforme descrito em João 3.1, Nicodemos era “um dos principais dos judeus”. Talvez por isso tenha ido ao encontro de Jesus à noite, o que não era uma prática muito comum, já que era uma época sem recursos que facilitassem atividades noturnas, como energia elétrica, por exemplo. Prova de ser uma prática pouco comum é o fato de esse episódio ser citado nas outras vezes em que Nicodemos é mencionado na bíblia (João 7.50 e 19.39): “aquele que anteriormente se dirigira de noite a Jesus”. Provavelmente queria fugir dos holofotes ou queria um tempo mais exclusivo com o Mestre, tão assediado pelas multidões. Ou, até quem sabe, estava constrangido em fazer algo que confrontava o seu grupo, oponente das práticas que Jesus vinha tendo.

Nicodemos via em Jesus alguém muito diferente do curandeiro ou servo de Belzebu, caracterizado pelos seus pares fariseus. Ao encontrá-Lo iniciou o diálogo chamando-O de mestre, Rabi. “Ninguém pode fazer os sinais que tu fazes se Deus não for com ele”, afirmou. Trazia consigo uma série de dúvidas e angústias que confrontavam seus dogmas religiosos, aprendidos e consolidados ao longo de décadas de experiência na religião judaica. Talvez tivera uma série de anotações sobre a guarda do sábado, sobre o jejum ou quem sabe o nacionalismo exclusivista judaico. Talvez quisesse entender como Jesus expulsava demônios, sem necessariamente cumprir o ritual exaustivo que eles praticavam. Porém, antes que pudesse descarregar qualquer de suas angústias a respeito destas questões, Jesus o interpelou levando-o a um outro nível de discussão: “Na verdade eu te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus”. Ele estava dizendo para Nicodemos que ele precisava de uma mudança completa de mente para, só então, poder discernir sobre qualquer outra questão do Reino.

Não, Jesus não era só mestre, como Nicodemos presumira. Nicodemos estava diante daquele que Isaias profetizou como maravilhoso, conselheiro, Deus forte, pai da eternidade e príncipe da paz. O Deus encarnado anunciado pelo profeta João Batista. Era necessário que Nicodemos entendesse a importância daquele com quem conversava, para só então conseguir entender a dimensão daquilo que estava acontecendo naquele momento, um marco para a humanidade.

Nós que buscamos servir a Deus somos desafiados a viver a mudança de dentro pra fora, isso é nascer de novo. De que adianta observar a lei de Deus e não ter o coração quebrantado, nos humilhando diante do Senhor e reconhecendo a sua soberania sobre nós e sobre tudo? Pra que transparecer uma santidade travestida no modo de falar, nas vestimentas ou nos hábitos em comum? O que devemos realmente fazer é destilar a verdade do Evangelho, a despeito de estereótipos. Isto é o que Jesus está colocando para Nicodemos e coloca para nós através dessa narrativa em Sua palavra.

Nicodemos reaparece na bíblia mais adiante defendendo que Jesus pudesse ser ouvido antes de ser julgado (João 7.50) e depois que o Senhor fora morto, quando foi retirado da cruz, providenciando os insumos da solução que iria ungir o seu corpo. Sim, Nicodemos orbitou Jesus, mas nada evidencia que o reconheceu como o Messias, que tenha se rendido à sua mensagem e arrependido, recebendo assim a sua irresistível graça redentora. Jesus apresentara o Espírito Santo, profetizara sua morte, e Nicodemos, incapaz de discernir tamanho mistério, por causa de sua religiosidade, perdeu a oportunidade de ser transformado ali, como fez aquele eunuco etíope que creu que Jesus Cristo é o filho de Deus e pediu para ser batizado ali mesmo, após ser conduzido por Filipe (Atos 8.37).

Quantas vezes valorizamos em nós e nos outros apenas a mudança estética como marca do novo nascimento? Nosso desafio é trabalhar as nossas vidas para uma igreja que absorva o Reino de Deus na sua essência, onde o que importa é a centralidade de Cristo e sua mensagem de amor e de juízo. Só então entenderemos o Seu propósito para as nossas vidas, como servos indignos de qualquer favor, para estarmos dependentes das suas misericórdias e propagarmos esta verdade transformadora.

Os comentários estão fechados.