A imagem de Jesus Cristo que conhecemos pela arte sacra é, quase sempre, um homem branco, barbas fartas, cabelos castanhos longos e olhos azuis. Esse é o Jesus caucasiano, o de olhos claros, que vem do Renascimento italiano. Contudo, Jesus não é europeu, como bem sabemos, mas um judeu com suas características peculiares – um homem típico do Oriente Médio. Precisamos pensar em resgatar e apresentar esse ser humano concreto que habitou na Palestina no início da era cristã, e não essa idealização cultural da aparência de Jesus, que tem objetivos, muitas vezes, escusos e dominadores.
Se encaixarmos essa imagem criada pela arte sacra, especialmente a da renascença italiana, neste texto de João que lemos, não vai dar para ter muita coerência. Aquela imagem doce e meiga do Jesus que conhecemos por essas expressões artísticas não combinam com o sujeito irado que enfrentou os camelôs de Jerusalém.
A imagem do Jesus zangado e bravo pode ser um tanto chocante para nós, mas ela é extremamente necessária. É possível que muitos ousem a dizer que: “Não quero esse Jesus! Tá muito agressivo!”, mas não temos como fugir da verdade textual bíblica. Precisamos enxergar quem é Jesus como um todo, manso e meigo, sim, mas também irado e zangado.
Jesus era um homem forte, vigoroso e corajoso que teve a coragem de enfrentar a hipocrisia, a injustiça e o pecado quando Ele os encontrou; e enfrentou com a fúria necessária. Mas neste texto que lemos, a Sua ação agressiva agora foi longe demais, no que diz respeito às autoridades do templo. Aquele homem de Nazaré era uma ameaça direta a tudo o que aqueles corruptos amavam e de onde tiravam seu sustento – sustento escuso e corrompido! Ele não foi nada, nada mesmo, politicamente correto…
Um dos maiores obstáculos para a prática da exegese bíblica salutar é a ignorância dos contextos históricos, sociais, e culturais dos textos envolvidos. A adoração no Templo de Jerusalém consistia principalmente em oferecer sacrifícios de animais para Yahweh. Muitos dos fiéis que frequentavam o templo eram peregrinos, viajando dias e semanas para poder adorar, atravessando desertos em caravanas ou em animais de carga, ou mesmo a pé. Transportar animais para oferendas era quase uma impossibilidade. Para ajudá-los em sua devoção religiosa, comerciantes se especializaram em vender animais aos peregrinos para que pudessem cumprir com seus deveres religiosos – sob a concessão das autoridades do templo, que apropriavam das propinas que cobravam dos vendedores.
Há de se entender também que, como os judeus vinham de todo o mundo civilizado para adorar em Jerusalém, eles obviamente não carregavam as moedas usadas no templo, então esse problema foi resolvido com a criação de mesas no pátio com “cambistas” que trocariam a moeda do templo por dinheiro estrangeiro. Os sacerdotes não lucravam apenas com a venda dos animais, tiravam proveito também da conversão do dinheiro utilizado no pagamento. Portanto, os cambistas estavam nos pátios externos do templo trocando moedas a uma taxa exorbitante e, na época de Cristo, essa “conveniência” se tornou uma oportunidade para roubar os peregrinos.
É certo que os vendedores de animais e os cambistas dispunham de aprovação oficial para suas atividades, e, assim sendo, Jesus, quando toma atitude de expulsá-los do templo, desafiara a ordem legal das coisas, pois Jesus estava ameaçando a vida lucrativa dos maiorais – eles eram ricos às custas desses pobres peregrinos. Sem suas contravenções, eles não poderiam sobreviver em sua vida extravagante e luxuosa. Jesus era uma ameaça direta… aquele galileu foi muito audacioso. Ele tinha que morrer.
Então, fica claro, que era a injustiça e a roubalheira, e não a venda em si ou o câmbio das moedas, mas a cobrança absurda dos dois. A comercialização da fé, não a dos víveres ou o câmbio do dinheiro, era o mais trágico e pernicioso, e o que de fato enfureceu o Mestre! Não é de admirar que Jesus tenha perdido a paciência ao ver esses pobres peregrinos sendo tratados tão injustamente! Ele “bateu forte” naquela situação que fazia da religião um grande negócio e grande fonte de lucro abusivo.
Expulsando os comerciantes, Jesus denuncia a opressão e a exploração pelas autoridades religiosas. João aponta para um Jesus humano, que também teve seus momentos de raiva e indignação. Ele estava ali para cuidar da casa de seu Pai, para mudar aquelas práticas, e o fez com veemência. Ele não tolera o pecado e a injustiça, e sempre fará essa “limpeza”; sempre que necessário.
Precisamos pedir que Ele entre em nossos templos e nos limpe de nossos pecados e de nossas injustiças – somos pecadores e precisamos da ação firme e forte de seu “chicote”. Devemos pedir que Ele venha ao nosso encontro e nos livre de nós mesmos e de nossa ganância sórdida. Peça com fé e coragem, pois Ele usará da força para expulsar esses e aqueles que forem necessários. Que Ele nos livre de todo o mal, amém!