Um dos compêndios mais importantes de toda a Bíblia é o Sermão do Monte. Nele Jesus aborda preceitos valiosos que direcionam a vida do cristão: quem é o bem-aventurado, o chamado para sermos sal e luz, a necessidade de sermos retos e íntegros no nosso proceder, como orar, o amor ao próximo, e outros temas que devem forjar o nosso estilo de vida. Enquanto dava essas instruções aos seus discípulos (que provavelmente encontravam-se capturados por essas palavras, sentados atônitos em uma relva do monte às margens do mar da Galileia), o Mestre também cuidou de reservar parte de sua palavra à causa da ansiedade, mais precisamente “a ansiosa solicitude pela vida”, o que poderíamos contextualizar como “um intenso ímpeto de sustentar o exercício de viver”. Comer, beber e vestir eram uma incógnita sobre a qual as pessoas se empenhavam preocupados com o futuro.
Em paralelo a este padrão comportamental dos homens, quando Jesus chamava pessoas para segui-lo, sempre deixava claro que era para deixarem tudo. Pouco antes mesmo neste sermão (Mateus 6.21) ele disse que “onde está o teu tesouro, ali está o teu coração”. É com afirmações como esta e como o pedido para não levarem nada consigo (Mateus 10.9) que somos levados a entender o modus operandi cristão, que é o de dar ênfase ao que realmente importa. Por consequência, estas outras coisas nos serão acrescentadas, nada mais, nada menos. Mas, nem por isso esta certeza do provimento divino nos garante qualquer conforto. Devemos lembrar que ele também disse que no mundo teríamos aflições (João 16.33), ou seja, nosso viver é trilhado com lutas e dificuldades, mas não devemos desanimar e nem sofrer por antecedência. Basta a cada dia o seu próprio mal.
Civilla Martin foi uma compositora de hinos clássicos enquanto viveu no início do século 20. Ela conta que certa vez foi com o marido visitar um casal de amigos que eram cristãos felizes e inspiradores no seu modo de vida, fontes de coragem e conforto para as pessoas com quem interagiam. Isso seria uma história comum, não fosse o fato de a mulher estar acamada há vinte anos e seu marido viver em uma cadeira de rodas. Sensibilizada com a brilhante esperança que eles irradiavam, Civilla perguntou-lhes o segredo disso. A mulher acamada então respondeu: “O olho de Deus está sobre o pardal, então eu sei que ele vela por mim”. A beleza desta simples resposta embasada em Mateus 6.26, onde Jesus disse que valemos muito mais do que as aves que não semeiam nem colhem e nem ajuntam em celeiros, mas o Pai as sustenta, fez com que Civilla escrevesse um dos seus mais belos e famosos hinos, “His eye is on the sparrow”, tema das cruzadas evangelísticas de Billy Graham e até hoje interpretado por centenas de corais e cantores por todo o mundo.
O ponto de equilíbrio que Jesus quer nos ensinar é aquele que não tenhamos o nosso coração nos tesouros desta vida, não nos preocupemos com o que haveremos de comer, beber ou vestir, nem por isso deixando de nos ocupar (2 Tessalonicenses 3.10) e, também, lembrando que neste mundo teremos aflições. É uma relação de dependência que só pode se realizar com a prática da fé. A ansiedade é inversamente proporcional à fé, ou seja, quanto mais forte estiver o músculo da fé em nosso corpo espiritual, menor estará a insegurança pelo que nos espera. Daí a expressão tão banalizada do “se Deus quiser” passa a ter um sentido diferente. Sim, tudo só vai acontecer se for da Sua vontade, e por isso não devo me preocupar. Até porque a preocupação não me acrescentaria qualquer benefício, e nem sequer um segundo a mais de sobrevivência.
Que Deus seja misericordioso e nos capacite a assimilar a sua Palavra que atravessa os tempos e é tão atual como nunca. Especialmente no Brasil, onde segundo a OMS, somos a nação mais ansiosa do mundo. Especialmente neste momento de pandemia.