Pietas, ou “piedade”, é palavra de ordem, é máxima e mandamento que sintetiza a disposição reformada de gente que encontrou benevolência no “Filho amado” em que o Pai tem todo o prazer. É fé experimental e operosa daqueles que confessam, enquanto valentes, terem sido assaltados pelo Senhor de Guerra, o qual nos cativa a vontade no enlace de sua paixão e nas cadeias de seu inefável amor. Somos seus espólios de guerra, nós a Igreja, a qual é exibida no mundo como símbolo perene do seu triunfo escatológico no palco da vida e da história sobre um rude madeiro. Ali o “Deus-homem”, o Cristo da cruz, venceu a morte, venceu as trevas, venceu os poderes espirituais e o “príncipe deste século”, mas também nos venceu; e a estratagema do “Verbo Dei” (Verbo Divino) não é outra senão sua reverente, fidedigna e piedosa paixão que nos arrebata para si.
Na cruz o Amor feriu o Verbo, e o Verbo ferido a nós se dirigiu em afiada Palavra que nos transpassa a alma e nos atinge o coração. Assim nos testifica o bispo de Hipona, St. Agostinho, que em suas Confissões brada ferido aos quatro ventos: “A minha consciência, Senhor, não duvida, antes tem certeza de que Te amo. Feriste-me o coração com a Tua palavra e desde então te amei”. Pois esta é a ferida do Verbo, o amor, o qual nos faz livres de si e cativos Dele; a todos nós os quais em Espírito e em verdade o experimentam e dele se alimentam, para então dizermos conjuntamente à Agostinho: “Eu te saboreei, e agora tenho fome e sede de Ti”.
Estes, os sedentos e famintos de Cristo, são os servos vencidos e feridos por seu mestre, que caminham sobre o fardo leve e suave de sua paixão. E como poderiam caminhar se não nos moldes daquele por quem foram vencidos e feridos? E quais outras poderiam ser as marcas que carrega o valente vencido, chamado aqui de cristão, senão as marcas de piedade e paixão? Ora, é assim que segue o cristão genuíno, em piedade e paixão, manifestando as marcas de sua rendição àquele que por nós morreu e também ressuscitou.
Para Calvino, em suas Institutas, piedade (pietas) é testemunho prático, exercício operoso e constante de fé genuína perpetradas por aqueles que conhecendo a Deus, e por Ele tendo sido salvos, perseveram no seu amor. Mas piedade também é exercício devocional; é salvação em operosidade e desenvolvimento no Espirito; é paixão litúrgica declarada em culto e adoração àquele que está assentado no trono do nosso coração. Pois o fim (alvo) do conhecimento de Deus (teologia) não poderia ser outro senão o viver humildemente diante de nosso Deus, e isso em conformidade com o seu querer (piedade). O conhecimento genuíno de Deus nos induz e conduz a uma vida conformada ao seu amor e paixão. No itinerário da peregrinação cristã, na romagem de uma vida que se rende ao amores de Cristo, estão os santos exercícios da fé que conferem saúde, beleza e formosura espiritual (virtude) a todo aquele que nele vivendo, tem em vista glória de Deus.
Agostinho e Calvino são gênios, sem sombras de dúvida, mas o arrazoar desses homens não poderia vir de si mesmos, mas da Palavra viva que também os feriu. Nela encontramos a Paulo exortando ao seu moço Timóteo (1Tm 4:8), a tanto instruir a Igreja, quanto a viver uma vida nutrida na dieta do Verbo encarnado (palavra e doutrina), mediante o exercício perseverante de uma fé vigorosa que obra em santo labor espiritual (piedade). Nesta “via dolorosa”, a via da cruz, a paixão (amor) abnegada de Cristo Jesus também se faz nossa, tendo vista a glória daquele que nos amou e assaltou o coração. Nele crescemos em graça e virtude, fé e esperança, piedade e paixão conformados à imagem do Filho de Deus que nos santifica por seu Espírito. Este é o caminho do Cristo, dos apóstolos, dos pais da igreja e dos reformadores. Afinal, viver sobre a fé cristã reformada é viver em piedade e paixão!
E por que a nós é conveniente aqui afirmar tudo isso? Meu sincero pleito, meus irmãos e irmãs, mediante o que aqui exponho, seria o seguinte: seu moço, o Rev. Eduardo, e seu bisbo, Rev. Robinho, bem como esta santa casa de misericórdia e oração, a “Missional”, não somente têm sobre si essa chamada da parte do bom mestre e redivivo Cristo, nosso Senhor Jesus, como também são, pela graça e pela graça somente, encarnação dessa verdade. Expressão uma vida em devoção piedosa e na paixão abnegada por nosso Deus, manifestando a fé operosa devida a todo aquele que persevera por ter tal esperança. Celebremos ao nosso Senhor por mais esse ano de vida concedido ao Rev. Eduardo, e que possamos dar glórias a Deus por essa bendita comunidade de fé, ambos os quais tanto nos motivam à caminhada na fé, na esperança e no amor em Cristo Jesus.