“Quando você aceitar que já está morto, será capaz de agir como um soldado. A guerra inteira depende disso”.
Essa frase faz parte de um diálogo entre soldados na série da HBO, Band of Brothers, e proferida pelo oficial Ronald Speirs do exército dos Estados Unidos durante a II Guerra Mundial. Além de outras boas experiências dessa excelente série, posso dizer que essa frase me marcou. Não necessariamente pelo seu contexto, mas sim, pelo paralelo instantâneo observado com a percepção do evangelho em nossa vida.
No diálogo da série, o soldado precisa aceitar, o quanto antes, que sua vontade própria não está em jogo em uma guerra. Ele precisa aceitar que a sua vida não é mais importante do que a de seus companheiros, e o quanto antes ele perceber que “já está morto” e está ali simplesmente para servir e se entregar por uma causa maior, aí sim, ele será capaz de agir como um soldado. Assim também deve ser a vida do discípulo. O início do discernimento da graça começa na percepção de que sem ela, “estamos mortos”, pois todos estamos sob o pecado. Portanto não cabe a nenhum discípulo de Jesus, carregar consigo justiça própria. Com justiça própria e auto engano, nós nunca teremos a capacidade de amar a Deus com profundidade e com isso nunca celebraremos a graça com radicalidade.
Lucas relatou em seu evangelho (Lucas 7.36-50), uma passagem fantástica de autopercepção x justiça própria e autoengano.
Nesse texto, o autor relata o convite de um Fariseu, cujo nome era Simão para que Jesus comesse com ele em sua casa. O anfitrião, membro da seita dos fariseus, só não esperava que uma “pecadora” invadisse o seu banquete e se lançasse aos pés de Jesus.
Nessa passagem temos algumas situações pedagógicas para aqueles que se arriscam no julgamento de “aparências”, como foi o caso de Simão. “Se este fora profeta, bem saberia quem e qual é a mulher que lhe tocou, pois é uma pecadora”. Lucas 7.39 NVI.
Jesus confronta Simão com uma parábola, de como não julgar o próximo, convidando-o a enxergar a si mesmo, fazer o autoexame, discernir sua posição de pecabilidade e enxergar que tanto ele, quanto a mulher, ambos deviam a Deus o que nenhum dos dois tinha como pagar (Lucas 7.40-43).
O religioso (Simão, o fariseu), não é relatado como a pessoa que mais ama a Deus. No quesito amor, a mulher estava em grande vantagem (Lucas 7.44-47). A mulher tinha consciência de quanto ela devia. Ela amou na proporção da consciência da graça recebida. Já Simão, tão cheio de justiça própria, esse se banca, se garante. Acredita que pouco tem que ser perdoado. E o texto continua com Simão reduzindo o evangelho ao tamanho do seu próprio olhar.
O texto convida cada um a olhar para si mesmo, pois o que dispersa a Graça de mim é justamente a minha disposição em me comparar com o outro. Principalmente quando me julgo menos pecador do que ele. A justiça própria se escandaliza com a Graça, se escandaliza com a proximidade de Deus com aqueles que rotulamos. E assim, como Simão, perdemos a capacidade de amar a Deus com profundidade e nunca celebraremos a graça com a radicalidade daquela mulher. Se aprendermos a não julgar pelas aparências, deixamos cada um ser para Deus o que cada um pode ser.
O início do discernimento da graça começa na percepção de que sem ela, “estamos mortos”.